O homem pelas lentes de Deus

Se Deus fosse Homem (humano), não seria um só. Seria croata, moçambicano, coreano, judeu, protestante, onívoro e vegetariano. Teria que ser um cara onipresente, onisciente e, por que não, onipotente. Porque daí sim, talvez estejamos falando de todos nós, humanos, uma pequena parte do que seria Deus. E Deus nos veria, e veria o mundo com seus próprios olhos – ou seja, nossos olhos – dando sentido pra cada pequena coisa que acontece, cada evento singular. E claro que, sendo Deus um oni-tudo, ele se riria de si mesmo, de como ele é bobo.

O mais próximo das vistas de Deus sobre a raça humana que chegamos até hoje talvez seja o Youtube. Sim, o Youtube. É pelas lentes do “broadcast yourself” que as coisas acontecem no mundo inteiro, o dia inteiro. E recentemente decidiram “organizar” isso: a proposta era que milhares de pessoas gravassem vídeos do seu cotidiano e upassem pro site. Kevin Macdonald e Ridley Scott juntaram tudo e o resultado é esse aqui:

Medo, amor, violência, animais, comidas, acordar, dormir, nascer, perguntar. O que você tem no bolso agora? Tem tudo isso. As línguas que todos eles falam parece não importar, vi o filme e me sinto muito irmão de todo mundo ali. Life in a Day é a sensação estranha de Deus se olhando no espelho.

numa conversa com deus, ou o diabo

Numa conversa com deus ou o diabo:

– Quantas intenções você tem aí?

– Nenhuma que valha a pena. Quatro pra uma.

– Teus olhos não te deixam mentir. Suas intenções tão na cara.

– Elas me custam os olhos. Nesse negócio não tem como enganar o cliente. O tráfico de intenções sempre foi mais perigoso que o tráfico de influências, ele o precede. Te descobrem logo como bem ou mal intencionado. Sabe dissimular?

– Pra quê?

– Cada um sabe o que faz com suas intenções, mas a dica que eu dou é saber dissimular as intenções. De boas intenções o inferno tá cheio.

– Não são os julgamentos morais, mas a tal da consciência que pesa. Um diabo matreiro que confunde o jogo das recompensas. Elas aparecem no jogo antes da rodada terminar, deixando o pobre sujeito perdido munido apenas de suas intenções. E aí ele cai, com o espírito pesado, embora esteja na maior das boas intenções. Sei bem.

– Um bom jogador vai na direção oposta das recompensas. É assim ele chega mais perto delas.

– Pra citar Wado: “Uma ode ao que não é necessário, a sofisticação de inutilidades. Seguimos vivendo os dias, adaptando os planos. O jogo não começa agora, está valendo há muito tempo. Desde a primeira partida, campeonato longo. Gostamos de jogar com graça. E, sempre que dá, de manter intactas as canelas dos outros. Necessidades desnecessárias.”